"Meu coração vai molemente dentro do táxi" (Drummond), lembrei do trecho justo quando entrei no veículo com um aperto no peito. Talvez eu não devesse ter saído de lá daquele jeito... se tivesse ficado, tudo teria sido diferente, seria uma forma corajosa de resolver sem fugir da situação. Agora é tarde...
- Terei que ir embora e nunca mais voltar aqui.
Eu não suportaria vê-lo com outra, na minha ausência covarde. Vou ter que me conformar e seguir em frente num lugar distante. No vôo das seis, no pôr-do-sol pode ser! O taxista nada entendia após olhar pelo retrovisor e ver uma mulher chorando e falando sozinha. Ou será que ela falava com ele? Aquele trecho do poema de Carlos Drummond de Andrade não poderia ter sido tão realista como um tapa na cara. Mas lá estava eu dentro de um táxi com destino a sei lá onde, e com o coração dilacerado. O que diriam todos quando soubessem?
O taxista parecia impaciente rodando em círculos com aquele carro. Tinha o direito de saber para onde teria que levá-la.
— Moça, afinal de contas pra onde a senhorita vai?
— Eu... acho que talvez para o aeroporto. Vou pra bem longe...
— Humm. Ok.
Tem coisas na vida que não dá pra evitar. O que fiz mesmo não pude evitar. A raiva, o ódio foi grande demais para deixá-lo aproveitar sua existência sem culpa. Não depois do que vi naquele apartamento. O feri pra me defender, mas ele deve estar vivo e vai querer se vingar. Ele me enganou com outra. Vou sair desse lugar, desaparecer, forever. Mas isso doía muito pra mim, não era fácil.
Coisas horríveis fluíam em sua mente dentro do táxi...
"Coisas horríveis fluíam em sua mente dentro do táxi..."
Toda aquela cena no apartamento não saía da minha cabeça, enquanto o táxi passava pelo bambuzal que dá acesso ao aeroporto Internacional Luís Eduardo Magalhães. Incrível como ele teve a audácia de me trair e pensar que isso ficaria impune. Depois que aquela cretina saiu nervosa do apartamento, era só eu e ele no ajuste de contas... Entretanto, alguma coisa saiu errado no relacionamento e no desenrolar dos fatos horas atrás. Tanto que não restou alternativa para mim. Tinha que cair fora o mais rápido possível de lá, antes que ele me entregasse para as autoridades. A essa altura ele já acionou a cidade inteira pra me caçar, como um troféu que seria exposto para seu triunfo. Mas li no horóscopo de hoje que conseguiria me livrar de um problema sério, sã e salva. Eu acredito nessas coisas e me apegava firmemente nessa previsão, já que não podia enfraquecer antes de lutar pela minha liberdade. Iria até as últimas conseqüências se fosse preciso.
O taxista não parava de olhar pra ela pelo retrovisor. Dava graças a Deus que já chegaram ao bendito aeroporto, depois de ouví-la dizer coisas que não conseguira entender por ela ter falado baixinho pra si. Estacionou o carro no meio-fio e desligou o motor. Esperaria que ela pagasse a corrida, óbvio.
- Já chegamos? Acabei me distraindo. Aqui está o dinheiro. - ela disse passando a ele o valor que viu no taxímetro.
Era estranho o fato de alguém pegar um táxi de forma estabanada e sem uma mala na mão. - ele pensou. Essa viagem parecia ter sido decidida de forma repentina. Mesmo assim, não é da minha conta. - ele tornou a pensar.
Eu saí do táxi com o coração mole ainda e não fazia idéia de onde iria, mas não importava o lugar pra onde fosse. O lugar pouco importa pra quem está fugindo de uma situação peculiar.
Entrou no local sentindo o ar frio do sistema de ventilação enregelar sua alma. Seria um mau presságio? Esperava que não. Subiu para o pavimento da área de embarque, e como sabia que estava cheio de gente na fila de uma companhia aérea, decidiu procurar uma empresa de táxi aéreo. Uma solução rápida e mais oportuna no seu caso.
Tinha pressa de deixar a cidade, e talvez até de deixar o país. Por que não? Quem iria impedí-la?
Ao chegar até a loja da empresa de táxi aéreo, ela mal podia acreditar que ainda estivesse livre. Já era hora de partir antes que as coisas esquentassem por ali, caso a polícia resolvesse aparecer do nada. Entretanto, não tinha certeza para onde ir naquele momento. Pensou um pouco,e cogitou comprar a passagem para outra cidade primeiramente, e só depois decidiria outro local para ficar em definitivo. Ela estava disposta a pagar a quantia que fosse preciso para sair logo daquela cidade. Dinheiro não era problema para ela. Após alguns minutos negociando com a funcionária da empresa, descobriu que em quinze minutos a aeronave estaria pronta para partir, mas ela achou que era tempo demais. Não podia ficar esperando tanto, mas não havia outra solução. Só restava sentar e esperar.
Os quinze minutos de espera pareciam ter sido uma eternidade, mas felizmente chegou a hora de deixar tudo para trás. A moça a acompanhou até o veículo que a levaria até o hangar da empresa, e de lá seria conduzida até a aeronave no pátio. Da área central do aeroporto até o hangar só levaria cinco minutos, mas no meio do caminho percebeu que uma viatura da polícia estava seguindo-os de perto, apesar de não terem acionado a sirene ,e ela desconfiou de que se tratava de uma armadilha. Apesar do medo de ser capturada pelos policiais, algo no seu íntimo clamava por liberdade, algo tão precioso para qualquer ser humano. Mesmo o pior dos criminosos, teme isso e vai até as últimas consequências, mesmo que isso custe a sua vida.
— Moço, pelo amor de Deus acelere esse carro. Eu estou correndo perigo!!!! - ela disse nervosa.
— Senhorita, o que quer que tenha feito, não é da minha conta. Mas esses policiais não vão desistir até que eu pare o carro. - ele disse secamente.
— Por favor não faça isso. Eu pago o quanto quiser, apenas os despiste e me leve até o hangar. -ela disse suplicante.
— Posso pedir quanto eu quiser? - ele indagou olhando para ela pelo retrovisor. Após ver ela confirmar com a cabeça, completou. - Cem reais é o que eu quero. E saiba que eu estou arriscando o meu pescoço nisso também, mas preciso do dinheiro.
Ela sorriu triunfante. Ela sabia que a maioria das pessoas eram compráveis. Bastava saber o preço delas e o resto estava acertado. Sorte a dela.
Quando o carro parou no hangar finalmente, ela notou ao sair do veículo que os policiais estavam quase chegando, mas pelo menos ainda dava tempo para entrar na aeronave e partir. Entretanto um deles saiu do carro e fez menção de atirar nela mesmo à distância. Ela percebeu e começou a correr o máximo que pôde com o risco iminente de ser baleada. Não podia desistir agora. Não quando estava tão perto do fim...
Uma das balas passou de raspão pelo ombro, mas isso não evitou que a machucasse, e o sangue começou a escorrer pela blusa. Tirou os sapatos de salto e passou pela pista de pouso e decolagem ofegante. Faltava pouco, alguns metros para alcançar a aeronave, mas sabia que o cerco estava se fechando, e mesmo que o avião decole talvez nem chegue a sair da cidade. Ao entrar, pediu para o piloto decolar logo, antes que fosse tarde demais, mas para seu alívio os policiais pareciam ter desistido de correr para alcançá-la,e logo poderia respirar aliviada por continuar livre.
Os noticiários não falavam em outra coisa. O ex- noivo dela estava ainda hospitalizado, mas estava fora de perigo, o que não aliviava em nada o peso da responsabilidade dela perante a justiça. Entretanto, ela não se arrependia nem um pouco do que fez. O pequeno avião ganhou altitude e no céu sem nuvens se distanciou do aeroporto e a levou para onde ela queria, para uma vida de incerteza e impunidade.
Um conto interessante! Tem emoção, aliás, foi a emoção que me chamou a atenção. Fiquei um pouco confuso quando era a personagemque contava a história e depois passou a ser outra pessoa. Essa transição de 1ª para 3ª pessoa...
ResponderExcluirO que será que o ex noivo fez a ela e ela fez a ele? Fica a questão para imaginar...
Um abraço, Mariana!